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segunda-feira, 14 de março de 2011

Os Direitos Inalienáveis do Autor




OS DIREITOS INALIENÁVEIS DO AUTOR

(Angela Leite de Souza)

Não foi à toa que muita gente ficou apreensiva quando surgiram os primeiros livros digitais baixáveis por qualquer um que dispusesse de um computador ou outro “gadget” similar. Em pouquíssimo tempo, o que era uma coisa do outro mundo tornou-se quase banal para quem está mais ou menos familiarizado com a internet e as múltiplas formas de acessá-la. Porém, como toda evolução muito rápida, esta atropelou de certo modo a respectiva regulação jurídica. Trocando em miúdos: é fácil e relativamente barato ler um e.book, mas não é simples resguardar os direitos de seus autores.
Se nos países que saíram na frente ainda não se encontrou a melhor solução, no Brasil o assunto é apenas uma parte de problemas legais mais amplos. É que, diante da nova realidade, o Ministério da Cultura entendeu de reformular a lei de direitos autorais existente. A pretexto de democratizar o acesso aos bens culturais, gastaram-se R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) na elaboração de um anteprojeto de lei que acabou se tornando o tema de uma polêmica nacional.
O texto foi aberto para consulta pública no site do MinC, no final do ano passado. E continha, entre outras excrescências, um artigo cujo parágrafo único chocou de modo particular os autores (escritores, ilustradores, músicos) pelo país afora. Eis a “pérola”:
“(Art.46)...
Parágrafo único - Além dos casos previstos expressamente neste artigo, também não constitui ofensa aos direitos autorais a reprodução, distribuição e comunicação ao público de obras protegidas, dispensando-se, inclusive, a prévia e expressa autorização do titular e a necessidade de remuneração por parte de quem as utiliza (os grifos são meus), quando essa utilização for:
I - para fins educacionais, didáticos, informativos, de pesquisa ou para uso como recurso criativo; e
II - feita na medida justificada para o fim a se atingir, sem prejudicar a exploração normal da obra utilizada e nem causar prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.”
Descontadas a imprecisão e a dubiedade, tratava-se da simples usurpação de um direito que está gravado, inclusive, na Constituição da República, como cláusula pétrea. E é lógico que a repercussão foi forte e imediata: choveram críticas, sugestões, opiniões no site do Ministério. Não se sabe o quanto desse material foi aproveitado, pois o anteprojeto seguiu diretamente para a Câmara e só deveria ser divulgado em abril próximo, depois de votado. Porém, a nova ministra da Cultura, Ana de Hollanda, determinou que fosse devolvido a sua Pasta, para reexame – medida duramente criticada por aqueles que parecem não ter a mínimo conhecimento da realidade de um autor.
Como qualquer outro profissional, ele tenta viver dignamente de seu trabalho, que é diário e árduo. Para fazê-lo com qualidade, prepara-se anos a fio, quer estudando, pesquisando, informando-se, quer na prática cotidiana. Corre atrás de editoras para apresentar seus projetos, investe tempo e dinheiro numa contínua batalha para fazer seu nome e obter seu espaço no mercado. No caso dos escritores, por exemplo, depois de publicado o livro, o autor ainda irá fazer um trabalho paralelo de divulgação, dando oficinas, proferindo palestras, visitando escolas, frequentando bienais, participando de feiras, mesas-redondas, seminários...para ter seu lugar ao sol. Enfim, seja ele autor de textos ou imagens, acomodação é uma palavra que esse profissional não conhece. Mesmo porque, o que ele aufere da venda são apenas (de modo geral) 10%. No caso dos ilustradores, quando se concede esse tipo de participação, o máximo que obtêm são 5% e, mesmo assim, normalmente retirados da porcentagem do escritor. Quanto aos compositores, é mais que sabida sua luta para garantir a percepção de seus direitos autorais no Brasil, situação agravada quando a facilidade de baixar músicas na internet (leia-se pirataria) praticamente reduziu seus horizontes financeiros a shows e turnês.
São todos esses criadores os responsáveis por uma cultura tão rica quanto heterogênea. Buscam, tanto quanto possível, viver somente de suas criações. E têm de ser protegidos por uma legislação justa, que não lhes retire o direito que faz deles profissionais, mas mantenha os “ônus” na conta dos que detêm a parte maior do bolo. Tomara que a nossa nova ministra da Cultura tenha determinação e vontade política bastante para, como ela mesma já declarou em entrevista, garantir os direitos trabalhistas da classe.

Website: http://www.caleidoscopio.art.br/angelaleite
E-mail: angelaleitedesouza@yahoo.com.br